Apontada oficialmente como a doadora do centro de treinamento (CT) de artes marciais do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), da Polícia Civil paulista, a empresa C2 Gestão de Patrimônio tem como representante um homem supostamente ligado a inúmeras empresas de fachada e que teria recebido “dezenas de milhões” de uma fintech investigada por lavar dinheiro para do Primeiro Comando da Capital (PCC), a Yespay.
Conforme revelado pelo Metrópoles, a C2 tem patrimônio de mais de R$ 1,6 milhão, que inclui carros de luxo e um jet ski. Apesar disso, está registrada no nome de Felipe Francelino da Silva Alves, um pintor de 34 anos que vive em uma casa de 19 m², em uma ocupação irregular na periferia de Ubatuba, litoral norte do estado. O suposto empresário é alvo de uma ordem de despejo e declarou no processo que não tinha condições de arcar com os custos judiciais.
A reportagem não conseguiu contato com Felipe Francelino, mas a esposa dele, Bruna Aquino, disse por telefone que quem falaria em nome da empresa é o contador Fernando Macedo Frota Rondino (foto em destaque), investigado por lavagem de dinheiro, ocultação de bens e falsidade ideológica, por suposto envolvimento em um esquema de criação de empresas em nome de terceiros sem autorização.
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Fernando Rondino
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A informação de que a C2 Gestão de Patrimônio teria feito a doação para a construção do CT do Deic foi publicada no Diário Oficial na última sexta-feira (26/9), dias após o Metrópoles revelar que o empresário Gabriel Cepeda, supostamente ligado ao PCC, havia sido apontado como doador oculto da academia de artes marciais.
De acordo com a publicação, o total de recursos doados foi R$ 36,7 mil, sendo R$ 22,2 mil em equipamentos e R$ 14,5 mil para a adequação do espaço físico. A data de celebração informada no termo de doação foi 25 de setembro, três dias após a primeira reportagem do Metrópoles sobre o caso.
Tratativas
Na semana passada, o diretor do Deic, Ronaldo Sayeg, disse ao Metrópoles que o contato com a C2 Gestão de Patrimônio foi intermediado por um amigo e que, durante as conversas sobre a doação, manteve contato com Felipe Francelino e com um homem cujo primeiro nome seria Fernando.
“Isso é coisa pessoal. Eu não vou falar como eu mantive contato com a empresa. Eu não queria nem expor a empresa. Mas como tem uma parte pública nisso, nós revelamos o CNPJ”, disse Sayeg. “Eu não fui atrás da empresa. Eles se dispuseram, fizeram toda a documentação”.
“Existe uma pessoa que representa a empresa, não sei se é esse sobrenome. O nome é [Fernando]. Felipe seria o proprietário da empresa”, acrescentou o delegado.
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Casa de Felipe Francelino, sócio da C2 Gestão de Patrimônio
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Casa de Felipe Francelino, sócio da C2 Gestão de Patrimônio
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Casa de Felipe Francelino, sócio da C2 Gestão de Patrimônio
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“Alaranjamento”
Em inquérito conduzido pela 1ª Delegacia Seccional da Capital, a Polícia Civil apontou a existência de pelo menos 12 empresas “com sinais de alaranjamento” ligadas a Fernando Rondino. Uma delas, a lanchonete Roma Lagrotti, apontada como inexistente, teria recebido “algumas dezenas de milhões” da fintech Yespay, entre 2019 e 2021. O valor não é especificado no documento.
Essa empresa, que oferece serviços de pagamento, como maquininhas de cartão, e integração de sistema financeiro, foi alvo da Operação Dalila, da Polícia Civil de São Paulo, em junho de 2022.
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Segundo a investigação, a Yespay seria usada pelo líder do PCC João Aparecido Ferraz Netto, o “Cabeludo”, para lavar dinheiro. Na Operação Concierge, deflagrada pela Polícia Federal (PF) dois anos depois, em agosto do ano passado, a fintech voltou a ser alvo.
Além das movimentações milionárias envolvendo a Yespay, as empresas ligadas a Fernando Rondino fizeram outras transações suspeitas em curtos intervalos de tempo. A Roma Lagrotti, por exemplo, movimentou R$ 19,9 milhões em quatro meses, entre julho e novembro de 2019. A Xtreme66 fez transações quem somam R$ 7,3 milhões entre janeiro e agosto de 2020.
Suspeita de tráfico
Uma das empresas que teriam sido criadas por Rondino, a VBS Comercial foi investigada por tráfico de drogas. Em 2020, o endereço da suposta sede foi alvo de um mandado de busca e apreensão, que encontrou substâncias utilizadas para produzir cocaína e uma fábrica de falsificação de anabolizantes.
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Objetos encontrados na sede de empresa criada por Fernando Rondino
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Equipamento usado na produção de anabolizantes
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Equipamento usado na produção de anabolizantes
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Comprimidos produzidos no local
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Durante as investigações, foi apontado que a fábrica pertence a Nathanael Wagner Ribeiro Rodrigues, conhecido como “Nas” e supostamente ligado ao PCC. De acordo o relatório do inquérito policial, Fernando Rondino teria “fornecido os meios estruturais e fraudulentos necessários para que a quadrilha de Nathanael operasse e lavasse o dinheiro obtido com a venda ilegal de anabolizantes”.
Em depoimento, Fernando Rondino admitiu ter usado documentos falsos para a criação da empresa e de contas bancárias para receber transações pela venda de anabolizantes falsificados. Ele também admitiu ter feito, a pedido de Nathanael, uma procuração falsa em nome de um laranja, com o objetivo de realizar saques bancários.
O contador disse, ainda, estar arrependido por ter ajudado a organização criminosa e que havia decidido colaborar com as investigações.
“Amigo Cepeda”
A suposta participação de Gabriel Cepeda na construção do centro de treinamento do Deic foi anunciada nas redes sociais por um amigo dele: o influenciador e ex-lutador de MMA Matheus Serafim. Em agosto, dias antes da Operação Carbono Oculto, da qual Cepeda foi alvo, a dupla se reuniu com o diretor do Deic, Ronaldo Sayeg, na sede do departamento.
Na ocasião, Serafim publicou uma foto em seu Instagram dizendo que o empresário “não mediu esforço” para construir a academia.
“Agradecer meu grande amigo Gabriel Cepeda que ao meu pedido não mediu esforço para construir um dos maiores e mais bem equipados centro (sic) de treinamento da Polícia Civil – Deic. Obrigado irmão pela parceria de sempre, logo logo inauguração”, disse o ex-lutador.
Após a operação, a publicação foi apagada, mas seu link continua visível no Google, o que permitiu ao Metrópoles acessar o texto original por meio do código fonte da página.
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Matheus Serafim anuncia que CT do Deic está pronto
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Questionado pela reportagem, Matheus Serafim negou que Cepeda tenha feito a doação para o CT do Deic. Ele disse que mentiu na postagem, com o objetivo de “dar uma moral” ao amigo, a quem pretendia agradar.
“Eu quis agradar ele. Essa é a verdade. Ele seria um grande parceiro meu, mesmo em relação às minhas pretensões políticas, nos projetos sociais que eu tenho. As coisas dependem muito de empresário”, afirmou o ex-lutador por telefone.
“Isso não quer dizer que ele tinha algum envolvimento com a academia. Eu até tinha pretensões de querer que ele ajudasse, mas não aconteceu”, completou.
A família Cepeda, dona da rede Boxter de postos de combustíveis é investigada desde 2020 por suspeita de lavagem de dinheiro para o PCC. Natalício e Renan Cepeda, respectivamente pai e irmão de Gabriel Cepeda, foram presos naquele ano, na operação Rei do Crime, deflagrada pela Polícia Federal.
O que diz a SSP
Questionada especificamente sobre Fernando Rondino, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) limitou-se a dizer que a empresa em questão, C2 Gestão Patrimonial, procurou o Deic em março deste ano para realizar a doação do centro de treinamentos de artes marciais.
“Na ocasião, toda a documentação foi analisada e não foram encontradas irregularidades. O processo administrativo foi concluído em 25 de setembro e sua homologação publicada no Diário Oficial do dia seguinte. A Corregedoria da Polícia Civil apura as denúncias citadas pela reportagem e, caso identifique qualquer irregularidade, adotará as medidas legais cabíveis”, disse a pasta.